Contexto

Há algum tempo se ouvem promessas em torno da tecnologia móvel 5G, que iniciaria um novo paradigma nas telecomunicações mundiais. Isso se deve ao fato de sua largura de banda ser muito superior à das redes celulares atuais, o que resumidamente possibilitaria uma experiência bem mais próxima da que temos hoje em dia nas redes domésticas, com velocidade, responsividade, e potencialmente sem limites de franquia, permitindo inclusive que operadoras de redes móveis competissem diretamente com operadoras de redes domésticas.

Em julho de 2020, foram lançadas as primeiras ofertas de 5G para os consumidores brasileiros pelas operadoras Vivo e Claro, mas não se pode confundir essa situação com uma inauguração oficial da tecnologia no país. A estratégia sendo empregada no momento é a de reaproveitar parte do espectro do 4G para o 5G, habilitando velocidades significativamente maiores, o que não significa que os usuários que optarem pelo serviço terão todas as vantagens da tecnologia. Isso só será possível quando a Anatel fizer o leilão dos espectros de frequência específicos do 5G em 2021. Esses leilões são promovidos sempre que há disputa pelo uso de certas frequências, e definem quem pode operar dentro de um dado espectro.

O governo brasileiro possui soberania em relação às frequências utilizadas em larga escala dentro do território nacional, e a velocidade desses processos de liberação é ditada pelo ritmo estatal. As primeiras frequências assinaladas para esse propósito já tinham sido aprovadas em 2019 pela Anatel, mas esperavam por um edital (fevereiro de 2020) e resoluções em torno das regras do leilão pertinentes à necessidade de investimento inicial das operadoras (junho de 2020).

Política externa

Com o leilão no horizonte, certas questões começam a sair do plano interno e transcender para a política externa. Um dos fatores a serem considerados é a quantidade impressionante de equipamento necessária para operar uma rede 5G de maneira adequada. Para compensar o alcance relativamente curto das ondas das quais a tecnologia depende, são utilizados aparelhos tecnicamente bastante sofisticados em grande volume, distribuídos de tal maneira a garantir a ausência de pausas na transmissão do sinal, algo essencial para o 5G – quando tivermos carros autônomos circulando, esses dependerão da rede 5G para fazer decisões em tempo real, e não podem ficar “perdendo o sinal” no meio de seu percurso.

As empresas com capacidade real de produção de equipamentos de infraestrutura para 5G são: as chinesas Huawei e ZTE, a sul coreana Samsung, a finlandesa Nokia, e a sueca Ericsson. A escolha fica, portanto, entre apostar em empresas do leste asiático ou nas nórdicas. Olhando para a questão de maneira pragmática, a escolha natural das operadoras brasileiras seria entre a Huawei e Ericsson, já que ambas possuem comprometimento com o território nacional, possuindo inclusive fábricas localizadas no estado de São Paulo. A Huawei inclusive já conduziu testes pertinentes à viabilidade da instalação de redes 5G em conjunto com as principais operadoras nacionais. Mas não é tão simples assim.

Donald Trump segue em uma firme oposição à adoção de infraestrutura chinesa de telecomunicações em território estadunidense, com a proibição oficial de empresas locais de utilizarem equipamento produzido por atores que representem um “risco nacional”, algo que impactou principalmente a Huawei e a ZTE. Essa restrição agora inclusive foi estendida para 2021. O Reino Unido rapidamente seguiu o exemplo e também proibiu que a infraestrutura 5G do país seja constituída por equipamento da Huawei.

Sentindo a pressão internacional, o governo chinês deixou claro que, caso a União Europeia como um todo adote essa postura, Nokia e Ericsson serão banidas do território chinês. No entanto, a Nokia já se encontra bastante avançada em sua estratégia de projeção no leste asiático, inclusive obtendo sucesso em territórios onde não existe tanta simpatia para com a China, como é o caso do contrato de exclusividade que obteve com a Taiwan Mobile.

No Brasil, Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, afirmou que o teor da decisão que deverá ser tomada nos próximos meses não será somente técnico, mas contará sim com a dimensão política. Os Estados Unidos atualmente se posicionam para não apenas influenciar a escolha brasileira, mas inclusive auxiliar no financiamento e implementação de redes que não façam uso de tecnologia da Huawei. Os países se encontram em uma negociação conjunta com Ericsson e Nokia para que essas sejam as responsáveis pela venda dos equipamentos.

Considerando o maior alinhamento entre Brasil e EUA construído nos últimos anos, somado aos impactos devastadores da crise da COVID-19, faria sentido o Brasil aceitar o investimento externo do parceiro ao norte para a viabilização de sua rede 5G. O que resta saber é se a China irá apresentar uma proposta diferente para a captura do mercado brasileiro, faminto por telecomunicação móvel e por toda a tecnologia que gira em torno dos smartphones. O mercado brasileiro possui tanto valor político quanto estritamente econômico, e observaremos um fenômeno interessante da complexa interação entre setor governamental e privado acontecendo entre o final de 2020 e talvez por todo 2021. Certamente um assunto de alta relevância para pessoas interessadas em política externa.