Os plásticos já foram vistos como um marco da vida contemporânea, superando alguns dos limites impostos pelos recursos naturais e tornando os bens de consumo mais acessíveis às massas. Como é que, décadas depois, eles passaram de heróis a vilões?

Este artigo oferece uma breve visão de como a mentalidade e as decisões políticas em torno dos plásticos evoluíram ao longo do tempo, culminando em um apelo global pela proibição dos canudos de plástico, que pode avançar para a proibição da maioria dos plásticos de uso único.

Plásticos como heróis

Em 1863, um prêmio no valor de 10 mil dólares foi proposto pela empresa de bolas de bilhar Phelan e Collender, uma soma equivalente a 200 mil dólares em 2019. Seu objetivo era encontrar uma alternativa ao uso do marfim na fabricação de bolas, visto que o material era bastante caro e que uma presa de elefante só conseguia ser usada para produzir 4 ou 5 bolas, o que representava um problema logístico e ecológico a longo prazo. Os jornais da época também começavam a questionar abertamente a sustentabilidade de continuar usando o material.

Inspirado pelo desafio, o inventor estadunidense John Wesley Hyatt investiu anos em tentativas de produzir um material que pudesse substituir o marfim, passando por diversas iterações até chegar a uma composição que ele e seu irmão chamaram de “celulóide”, o primeiro plástico feito por humanos. O material mostrou-se adequado o suficiente para criar bolas que eram semelhantes ao marfim e tinham um custo reduzido, mas não eram ideais, especialmente por serem voláteis, emitindo um som de tiro quando duas bolas colidiam no jogo.

No entanto, o celulóide foi ideal para substituir alguns outros produtos de origem animal, como o pente, anteriormente feito de presas de elefante ou conchas de tartaruga. No material promocional da empresa que ele montou, Hyatt declarou que “o celulóide deu ao elefante, à tartaruga e aos insetos de corais um descanso em seus refúgios naturais; e não será mais necessário vasculhar a terra em busca de substâncias que estão cada vez mais escassas”.

Sim, a chegada dos plásticos foi uma benção para o meio ambiente. Ela proporcionou uma alternativa à dependência de materiais produzidos por animais, uma tendência que continuaria com a chegada da baquelita nos anos 1920, um plástico que poderia ser usado para montar praticamente qualquer produto, abrindo caminho para uma verdadeira revolução nos bens de consumo. Quanto mais produtos pudessem ser produzidos em plástico, mais baratos se tornariam, democratizando e ampliando o acesso a muitos bens.

Plásticos como vilões

Com a escalabilidade da produção do material e a consequente diminuição de custos, tornou-se mais comum a transformação dos plásticos em produtos de uso único. Isso subverteu a maneira de pensar anterior, que estava mais focada, por exemplo, na produção de um copo de plástico que teria o mesmo uso a longo prazo de um copo de vidro. Em vez disso, copos mais finos destinados a armazenar bebidas uma única vez e ser descartados começaram a ser produzidos em escala visando a conveniência dos clientes.

O acúmulo desses detritos em locais públicos se tornou notório nos anos 1960, e com o movimento ambiental se consolidando no Norte Global, as décadas de 1970 e 1980 viram muitas pesquisas sobre a poluição do bioma marinho, particularmente sobre os impactos dos plásticos nos animais. Como resultado, a própria indústria do plástico liderou a adoção da reciclagem para ajudar a aliviar o problema. Embora a reciclagem seja bem-sucedida em certo grau, pesquisas apontam que uma cadeia de má gestão ainda resulta em cerca de 80% desses resíduos acabarem amontoados no meio natural.

Depois de um período de interesse reduzido, provavelmente associado às esperanças depositadas nos esforços de reciclagem, o tema ressurgiu nos anos 2000 com a documentação de “manchas de lixo” no oceano. Embora estas não sejam as massas sólidas de detritos que são frequentemente retratadas, as manchas ainda são perigosas, pois incorporam um volume significativo de partículas de plástico menores e em constante desintegração. A mais notável delas existe ao norte do Oceano Pacífico, sendo composta principalmente por lixo originário da Ásia.

Conforme o tema ganhou fôlego novamente, os sacos plásticos tornaram-se um alvo prioritário para os ambientalistas, à medida que os relatórios sobre os riscos potenciais que eles representavam para o planeta emergiam. Uma vantagem de colocar os sacos plásticos como alvo é que eles não são desejáveis nem para as empresas recicladoras, já que a fineza que os torna úteis para o uso diário também os torna um incômodo para reciclar. No entanto, a indústria do plástico lutou para manter as sacolas em circulação, e houve uma mistura de proibições, limitações e impostos associados ao seu uso. Em 2019, 15 países promulgaram uma proibição, enquanto vários estados e cidades também o fizeram de forma independente.

Destruam todos os canudos

Os plásticos de uso único são necessários? Alguns deles podem ser desejáveis. A razão fundamental para isso é que eles são baratos, confiáveis ​​e sanitários, muitas vezes mitigando preocupações sobre higiene e manutenção, e isso tem um custo pequeno para o vendedor das mercadorias. Aqui estão inclusos setores que não são considerados quando essas discussões acontecem, como o da saúde e os hospitais. Por outro lado, pode-se argumentar que esses custos acabam por ser externalizados, e que os danos à natureza acarretam um enorme custo não percebido. Seja como for, plásticos de uso único são vantajosos para uma variedade de pessoas em todo o mundo, e há um equilíbrio que precisa ser alcançado nos esforços de formulação de políticas em torno deles, algo que não está necessariamente sendo feito neste debate.

O próximo item na lista de alvos para erradicação são os canudos plásticos, que representam apenas 8% do total de resíduos plásticos do mundo. Esses itens são importantes na promoção do consumo higiênico de líquidos no mundo em desenvolvimento, mas passaram a ser rotulados como um bem de luxo no mundo desenvolvido, pois esses países se beneficiam de regulamentos sanitários mais rigorosos e meios mais confiáveis ​​de armazenamento e consumo de mercadorias. Representantes de pessoas com deficiências que impactam a coordenação da boca afirmam que a disponibilidade de canudos de plástico em restaurantes é o ideal para eles, em vez de uma política de “traga você mesmo”, mas a reação de empresas e legisladores a isso é inconsistente.

O movimento para proibir ou limitar severamente os canudos de plástico continua a ganhar força, mas de onde ele veio? Um garoto chamado Milo Cress ganhou notoriedade quando, aos 9 anos de idade, começou a advogar que os canudos fossem disponibilizadas apenas a pedido do consumidor, usando como argumento-chave uma estimativa dele mesmo de que 500 milhões de canudos eram usados ​​todos os dias nos EUA, um dado que desde então tem sido amplamente utilizado nos meios de comunicação, apesar de ter sido contestado por uma miríade de atores.

A maioria das fontes, no entanto, aponta de forma mais conclusiva para um vídeo viral de 2015, que obteve mais de 35 milhões de visualizações até 2019, e retrata uma tartaruga marinha com um tubo na narina e o doloroso processo de remoção que se seguiu; o oposto de tartarugas sendo salvos por plásticos anteriormente. Isso levou a uma maior sensibilidade em torno da questão, na qual os ambientalistas capitalizaram, tornando o canudo a próxima prioridade da campanha contra os plásticos de uso único.

O ponto de inflexão surgiu por volta de 2017, quando grupos de ativistas pressionaram estabelecimentos e legisladores sobre o assunto para iniciar um debate sobre a eliminação dos plásticos. Celebridades como Neil de Grasse Tyson, Russell Crowe, Tom Brady e Tom Felton se comprometeram a “#StopSucking” em suas mídias sociais e ampliaram a visibilidade da questão, ajudando a estabelecer o não-uso de canudos como uma posição virtuosa a ser tomada.

Isso resultou em uma proposta relativamente barata para melhorar imagens e gerar uma visão ambientalmente positiva, levando a situações interessantes como a da Starbucks, que está eliminando seus canudos plástico e substituindo-os por uma tampa para beber diretamente do copo que usa ainda mais plástico no total; a empresa afirma que a vantagem é que a tampa é reciclável, ao contrário da maioria dos canudos.

Não querendo ser percebida como leniente, a tradicionalmente mais ecológica União Europeia expandiu a questão, promulgando a proibição de todos os plásticos de uso único que têm alternativas em outros materiais até 2021, e aqueles que não têm alternativas precisam ser reduzidos em 25% até 2025, em uma moção que obteve forte apoio político.

A própria indústria do plástico formou “The Alliance to End Plastic Waste”, com 1 bilhão de dólares de investimentos iniciais e promessas de agir rapidamente para combater o problema.

Pensando economicamente, não é difícil delinear alguns dos vencedores e perdedores deste processo. Com a redução da credibilidade da indústria do plástico, a indústria que mais prontamente supre esse espaço é a dos produtos de papel, seguida pelas indústrias do metal e vidro. Algumas empresas que vinham produzindo canudos de plástico degradáveis ​​viram um aumento na demanda a partir de 2018, mas esses criam problemas por si mesmos, já que sua ampla variedade pode causar confusão sobre como eles devem ser degradados.

No centro de tudo isso, um evento mais palpável e menos etéreo foge das manchetes: a China quase parou de importar plásticos reciclados em 2018 como resultado de sua nova política de “Espada Nacional”. O país costumava ser o destino final de muitos dos recicláveis ​​no mundo, mas de maneira abrupta aumentou os padrões exigidos para aceitá-los, de tal forma que, para muitos na indústria da reciclagem, os lucros se tornaram pequenos demais para que o negócio valha a pena. A China agora absorve apenas 10% dos plásticos em relação a anos anteriores, colocando a questão do que é para ser feito agora com os outros 90%. Essa mudança de política já resultou em um aumento do nível observado de detritos marinhos no Sudeste Asiático.

Como a reciclagem de plástico tornou-se uma opção econômica menos viável, faz sentido que os atores se movimentem para trivializar essa indústria e buscar outras fontes viáveis ​​de receita em indústrias que tenham menos estigma associado a elas. A guerra dos canudos de fato tem sua espinha dorsal apoiada em forças sociais para a mudança, mas o impulso final vem quando a variável chinesa tornou a comercialidade dos plásticos um assunto mais confuso e menos atraente de se lidar do que antes. A migração para materiais não plásticos movimentará a indústria, criará e destruirá empregos e, no fim das contas, acabará criando problemas ainda desconhecidos, como os plásticos feitos pela humanidade causaram.