Mais de 900 dólares é o preço que o governo da Tanzânia, liderado por John Magufuli, espera que um cidadão interessado em operar seu próprio blogue pague para ficar em situação de legalidade no país. É isso que determina um conjunto de leis que passou a vigorar em 2018, denominado Electronic and Postal Communications Regulations, ou seja, Regulamentações de Comunicação Eletrônica e Postal.

Ainda que estejam estão no centro das atenções, os operadores de blogues não são os únicos afetados. Plataformas online que distribuam conteúdo multimídia e espaços de debate virtual também serão obrigados a respeitar uma série de resoluções que buscam dar ao governo controle transversal sobre qualquer conteúdo que seja de algum modo “destinado ao público da Tanzânia”.

Com essa regulamentação, o governo se dá o direito de “manter registro de blogueiros, fórums online, rádios e televisões online” e de “agir em relação ao não-cumprimento dessas regulamentações, incluindo a remoção de conteúdo proibido”. É esperado da pessoa ou entidade que pretenda continuar a produzir conteúdo que submetam informações minuciosas, desde o curriculum vitae dos contribuintes, passando pela natureza do conteúdo que se pretende postar, chegando a delimitar em qual horário se pretende trabalhar.

Para os usuários de redes socais, a expectativa é de que estejam prontos para responder por qualquer conteúdo postado usando sua conta. Um detalhe interessante é a determinação explicita da lei de que aparelhos que estejam conectados a contas de redes sociais sejam protegidos por senha por seus donos. Pode ser presumido que isso tem a função de impedir que um acusado use como defesa a ideia de que uma postagem foi feita em sua conta por outra pessoa sem seu consentimento.

Pegando carona em uma tendência global de tentar tornar a Internet mais politicamente correta, a lei proíbe o “discurso de ódio”. Isso inclui “violência, seja física, verbal ou psicológica; que possa aborrecer, alarmar ou ofender, causando medo desmedido ou encorajando imitação”. Mesmo seguindo essas imposições, qualquer postagem que não se adapte à “ética e profissionalismo” ou à “sensibilidade do público” tem de ser removido em até 12 horas da rede.

Isso nos deve servir de alerta sobre como governos podem transformar preocupações que por vezes podem ser legítimas e distorcê-las de um modo conveniente, nesse caso utilizando-se de uma suposta preocupação com a ofensa a seus cidadãos para efetivamente criar um sistema onde tudo é potencialmente perigoso de ser falado diretamente.

O conjunto de leis estabelece, por fim, a completa restrição do jornalismo independente, proibindo a divulgação de “perturbações em partes específicas do país”, “circulação de informações a respeito de potenciais ataques terroristas” ou sobre surtos de doenças mortais ou contagiosas. Em outras palavras, qualquer notícia de conteúdo mais sensível só pode ser emitida pelo governo.

Para analisarmos quais motivos o governo teria para estabelecer uma lei tão firme, basta olhar para o crescimento da taxa de penetração da Internet no país, que certamente assusta os governantes por sua velocidade. Dados da autoridade reguladora local estimam que em 2010 o acesso estava na casa dos 10%, enquanto em 2017 já chegava a 40%. Isso se deve à facilidade do acesso por dispositivos móveis como celulares, que tem sido uma alavanca em todo o mundo para o aumento geométrico de acesso para o cidadão médio.

Olhando para esse panorama, é importante como sempre lembrar da importância de defender o direito ao livre acesso à comunicação e ao direito a liberdade de expressão, mesmo que por vezes isso não pareça conveniente para os propósitos de um grupo ou outro. Muito mais assustador do que ser exposto a um conteúdo que não nos agrade é a possibilidade de não ter acesso a nada que o governo não queira que saibamos.